"Sejam homens, mulheres, de todas as cores, amores, dores e ruas das cidades. É que a esperança nunca vem sozinha". Para quem vem acompanhando essa coluna, já deve ter me visto falar sobre ela ser muito exigente e também sobre a coletividade que demanda. E mais: que ela implica em movimento. Esperança parada é ilusão.
Com essas e outras atividades, emoções, sentimentos e, principalmente, palavras, é que podemos visualizá-la e honrá-la. Honrar uma esperança? Sim, é preciso recorrer cada vez mais a outros verbos. Honrar aquilo que nos faz acordar desejando dar o nosso melhor no trabalho, nos estudos, no hoje e no amanhã, pois mais do que boletos, nós precisamos dela. Dela e de organização, garantia de direitos, de alguns rituais, inícios, meios e fins - e, é claro, atualmente: vacina no braço. E eu entendo que estamos privadas e privados de realizar algumas dessas atividades que nos trazem tantas alegrias.
É que precisamos de abraços, beijos, celebrações e um alfabeto de simbolismos que nos possibilitam a demarcação de nossos tempos. São estes e tantos outros rituais que percorrem nosso imaginário e que falam quem somos enquanto humanos que não precisam desaparecer em tempos de pandemia: precisamos reinventá-los.
Para Moacyr Scliar¹, já em 2010, a palavra reinventar figurava como uma das mais importantes daquele ano. Imaginemos, portanto, o quanto ela ainda é destaque, pois não é só de esperança que vivem as pessoas. E, por isso, precisamos, também, ressignificá-la. É preciso, como disse, honradez e atenção ao que nos é ofertado para que, em contato com o mundo, possamos contrapor as informações recebidas com nossos objetivos de vida, nossos afetos e a marca que queremos deixar neste mundo.
Enquanto que afeto ou sentimento, a esperança é a tradução de impulsos neuroquímicos, lá no cerebelo. Assim, a esperança pode, mesmo que exigente e provocadora, ter boas e péssimas facetas, pois sua transformação depende de como nos relacionamos com a mesma.
E se você, leitor(a), me permite o chamado de mais um autor, quero citar Spinoza, filósofo que tratava os afetos como tudo o que aumenta ou diminui nossa potência de viver. Para este, "se ... excluímos a dúvida, a esperança torna-se segurança e o medo, desespero"².
Por isso, é necessário continuarmos não apenas dela falando, sobre ela escrevendo, mas lermos o mundo com crítica, conversando uns com os outros, lembrando, caminhando, espera-andando. No fim das contas, precisamos honrar a nós mesmos.
¹ Em artigo publicado no Jornal Zero Hora em 26 de dezembro de 2010. Também disponível em: https://www.academia.org.br/artigos/reinventar-se.
² Baruch de Espinosa em "Ética III", proposição 18, escólio ² A edição para consulta foi a de 2013, publicada pela Autêntica Editora.
Texto: Paula Hosana Silveira Biazus
Psicóloga e mestre em educação profissional e tecnológica